O Paradoxo da Maioria

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Eu já há algum tempo observo a maneira como as pessoas se comportam, como elas falam e quais suas expectativas. Um dos pontos que mais me intrigam, até agora, é a maneira como as pessoas lidam com o conceito de “maioria”, em especial quando ligado à maioria de opinião.

Isso me levou ao conceito que gosto de chamar de “Paradoxo da Maioria”. Eis a definição: o Paradoxo da Maioria é a situação em que a adesão ou rejeição de um indivíduo ao conceito de “maioria” tem relação unicamente com sua adesão ou rejeição ao comportamento da maioria observada, e essa adesão ou rejeição ao conceito de “maioria” existe separadamente de qualquer outra adesão ou rejeição de comportamento de maioria que possa vir a ser observado, pois essa adesão ou rejeição do conceito de “maioria” é meramente instrumental.

Trocando em miúdos, o Paradoxo da Maioria se refere à situação em que as pessoas gostam de falar que são maioria quando acham que é legal falar que é maioria, e adoram criticar maiorias quando não gostam do que é maioria, e as duas coisas podem acontecer ao mesmo tempo, porque as pessoas usam isso apenas quando é conveniente.

Note que eu não relacionei o contexto necessariamente à adesão ou rejeição de um conceito de “grupo”, nem à adesão ou rejeição do conceito (em qualquer aplicação) de “minoria”. Em muitos casos, tanto “grupo” como “minoria” podem ser usados de modo complementar a esse, mas o paradoxo existe independentemente deles.

Um uso frequente, como tantos outros tipos de comportamento hipócrita e/ou contraditório, é a política. Creio que todos podemos pensar em exemplos em que a maioria que levou à vitória de um candidato foi execrada pelos que o rejeitavam, mas esses mesmos indivíduos comemoraram e apontaram como valoroso o voto maioritário quando se tratava de um candidato que aprovavam.

Na política e em outros universos similares, a identificação do Paradoxo é fácil ao observarmos a utilização de termos como “ovelhas”, “massa de manobra” e termos similares, que designam o momento de rejeição da maioria, ignorando a adesão de maioria de outros momentos, que será prontamente utilizada como ponto qualificador de qualquer argumento, quando isso for relevante.

Do mesmo modo, é possível observar quando o comportamento de conformidade é desejado pelo indivíduo que faz a análise — “a maioria está correta e/ou se manifestou de tal forma, e a minoria deve obedecê-la” -, ou indesejado — “a maioria está incorreta e/ou é burra, e apenas uma minoria privilegiada percebe a verdade e resiste a ela” -, ajustando seu comportamento posterior de acordo.

Pode-se pensar que existe um meio-termo, alguns cenários específicos em que a maioria é positiva e outros em que ela é negativa, mas apontar que existem variações nos motivos por trás da utilização de conceitos de “maioria” é relevante somente até certo ponto, ou apenas no isolamento de certos tópicos, o que é efetivamente insustentável como prática que possa ser considerada honesta, já que nada existe de maneira isolada na sociedade.

Essa utilização em qualquer compartimentalização efetivamente será sujeita a subjetividade, e quando mais inconsequente for a noção de maioria para qualquer atividade ética e/ou moral, maior a incapacidade de atribuição ou remoção de valor de maioria. 

O resultado invariável, assim, caso não se supere a visão simplória de “maioria” versus “minoria”, é a hipocrisia. Cada indivíduo passa a ser uma combinação de pertencimento, aprovações e reprovações cruzadas, existindo ignorando o fator analítico básico que deveria estruturá-las. Teremos uma pessoa, por exemplo, que aprecia o fato de ter um gosto musical de minoria e rejeita a maioria como ignorante, que aprecia o fato de fazer parte de uma maioria política e rejeita a minoria como ignorante, que aspira ser como uma minoria intelectual enquanto rejeita a maioria a que pertence nesse sentido.

No fim das contas, pode-se atribuir o desejo de rejeição ou adesão à “maioria” dentro de dois aspectos simples: controle e ordem. A rejeição (“a maioria é burra”) surge quando entende-se que o que é majoritário naquele momento é fora da ordem esperada, e a crítica e desejo de mudança é um desejo de controle daquele aspecto. Igualmente, a adesão (“a maioria está certa”) é a confirmação do que se entende com ordem esperada e desejo de conservação. O paradoxo, assim, não é notado pelos que o perpetram, porque eles focam efetivamente no cenário, e não no meio como tentam tornar o cenário real. É a ideia que lhes é mais interessante, não o meio.

Duvida? A melhor maneira de entender o Paradoxo da Maioria é entrar em uma discussão sobre democracia. Interessantemente, esse desprezo pela “maioria” surge mesmo dos supostos devotos protetores da democracia como o bem maior de uma sociedade civilizada, desde que eles estejam suficientemente insatisfeitos. Os maiores amantes da democracia, no geral, são aqueles que se beneficiaram dela naquele momento.

Existe alguma “cura” para isso? Talvez não para o desejo de ordem e de controle, mas existe uma cura para o Paradoxo. É a mesma cura que existe para todo e qualquer tipo de hipocrisia: não repetí-la. O melhor passo para uma sociedade se tornar menos hipócrita é se tornar menos hipócrita, fazendo e falando menos hipocrisias.

Nesse sentido, entende-se que é mais honesto — além de efetivamente mais inteligente — evitar toda e qualquer utilização de “maioria” como definidor de indicação de qualidade ou falta de qualidade. A utilização efetivamente honesta é da “maioria” apenas como o que ela realmente é: maior quantidade dentro de uma amostragem. Nada mais do que isso.

Um indivíduo que se considere honesto e consistente não poderá manter a visão eterna de que a maioria sempre está certa ou errada, com risco de se contradizer em outros aspectos. Não só isso, ele se torna mais livre, pois permite-se (idealmente) a análise de fatos, características e comportamentos de modo mais independente.

É só parar de julgar a maioria, positiva ou negativamente por ser (ou não ser) maioria. Se “o seu lado” ganhou uma eleição, comemore a vantagem numérica. Se perdeu, se entristeça e reclame que não teve a vantagem numérica. Mas nunca, nunca classifique a maioria puramente por ela ser a maioria. Caso contrário, você irá efetivamente assumir o compromisso de admitir uma superioridade indevida a quem discorda, ou a própria inferioridade indevida, dependendo de como considere as maiorias.